quinta-feira, 31 de outubro de 2024

As Sete Chávenas de Chá: Reflexões sobre o consumo do chá e a evolução das chávenas

Sasha Lima: As Sete Chávenas de Chá: Reflexões sobre o consumo do chá e a evolução das chávenas.  Lisboa: Livro de Bordo. 2024

Sasha Lima veio, com este "As Sete Chávenas de Chá: Reflexões sobre o consumo do chá e a evolução das chávenas", colmatar uma falha que existia na bibliografia existente em português sobre a incrível história do chá. 

De uma forma sucinta e clara, e tendo como ponto de partida o célebre poema de Lú Tóng, somos levados pela introdução do chá na europa e as "diferenças de atitude do consumo de chá na China e na Europa" e como a Inglaterra, sobretudo, transformou os hábitos e redimensionou as chávenas onde o revigoroso líquido era consumido.

Muito interessante é o capítulo "Chocolate, café e chá e a conquista do espaço público" e "do espaço privado": "através de uma expansão social contínua, o hábito de tomar chá, que inicialmente fazia parte da mesma esfera pública e do ambiente das normas do serviço adaptado às cafetarias maioritariamente ocupadas por homens, subsequentemente, irá alargar-se à esfera doméstica e aos rituais da prática feminina."

Todas estas transformações são acompanhadas pela evolução na confecções das chávenas e pires: "As chávenas convencionalmente usadas, atualmente, na Inglaterra e na Europa contêm uma medida de 148 ml. (5 onças) de líquido com asas e acompanhadas de um pires a condizer. Porém na China, na Coreia ou no Japão as chávenas não vão além de 59 a 118 ml. (2 a 4 onças) de chá e em Taiwan as chávenas liliputianas que mais parecem dedais nem chegam a conter 30 ml. A capacidade das chávenas no Oriente segue o costume do chá ser servido em pequenas quantidades, repetindo as infusões com a evolução do gosto na preparação das folhas, o que permite estender o prazer na experiência da degustação. Também impede o arrefecimento da bebida que ocorre em chávenas com maior volume, oferecendo, em justa medida as nuances mais marcantes ou subtis de sabores comuns nessa evolução de múltiplas infusões."

Já estão presos à história, não estão?! Há mais, muito mais, neste pequeno grande livro. Não percam.

Parabéns Sasha!

São Favas Contadas: dos vegetais ao vegetarianismo.

Guida Cândido - São Favas Contadas: dos vegetais ao vegetarianismo. Lisboa: Publicações D. Quixote. 2024
 
Se há autora que não lança apenas "mais um livro" de história da alimentação e/ou de culinária é a Guida Cândido. Cada livro que escreve e nos dá a ler, entra directamente para as obras de referência. E este "São Favas Contadas : dos vegetais ao vegetarianismo" não é excepção. 

O modo como se olhava os vegetais e se praticava o vegetarianismo ao longo das diversas épocas históricas merecem um olhar atento e ocupa a primeira parte do livro.

"O que se pretende contar no presente livro é a evolução do consumo de vegetais no contexto histórico da alimentação, passando da mera subsistência à celebração das múltiplas variedades vegetais e da criatividade culinária que elas motivam, desde o século XVI até ao incluo do século XX, através de 11 livros, com 30 espécies de plantas traduzidas em 50 receitas."

Segue-se a apresentação e contexto dos diversos livros de cozinha utilizados e referenciados, desde o Arte de Cozinha ou Methodo de Fazer Guisados, do séc. XVI até ao Culinária Vegetariana, Vegetalina e Menus Frugívoros, de Julieta Ribeiro (1916).

E entramos finalmente nos diversos legumes (raízes, herbáceos e frutos) a cozinhar, sempre acompanhados por uma "biografia" histórica e as receitas escolhidas para cada um deles. 

E porque os olhos também comem, e como é sempre apanágio de todos os livros de Guida Cândido, as fotografias que vão acompanhando o livro são de uma beleza estética e compositiva raras, e nascem do próprio olhar e 'click' da autora. Arte global.

A linguagem é directa e simples, acessível a todos os entendimentos, com uma escrita entusiasmante e envolvente, que não nos deixa parar de ler. E conseguir isso não é fácil... como diria Amália Rodrigues: "- Ser simples é complicado."

Não percam esta edição... até eu fiquei com vontade de comer cogumelos, tão bonitos que eles lá estão!!!

Muitos parabéns, Guida. E longa vida à obra.

domingo, 27 de outubro de 2024

Sophia Loren - Na Cozinha com Amor: "- Devo tudo o que sou ao spaghetti!" mas tomem lá a Beringela à Escabeche

Sophia Loren: Na cozinha com amor. Rio de Janeiro. Edições Bloch. 1971

Em 1968, quando esteve meses imobilizada num quarto de hotel para garantir que a gravidez que traria ao mundo Carlo Ponti fosse levada a bom porto, como o foi, Sophia Loren, com a ajuda de uma secretária, passou a escrito as receitas que fizeram parte da sua vida, quer fossem as suas quer as da nonna Luísa. 

O resultado foi um magnífico livro editado em 1971 - pela Rizzoli Editores, de Milão e logo no mesmo ano a edição brasileira, esta que aqui trago, pela editora Bloch - e que foi um êxito editorial e considerado um dos grande livros da gastronomia italiana. O mais interessante deste livro é que Sophia Loren vai contando alguns episódios da sua vida, dos jantares e almoços que oferecia a amigos e das viagens e filmes que ia fazendo. Interligando a vida com a cozinha, a cozinha com a vida.

O livro é acompanhado de um grafismo e de uma patina do tempo que o torna ainda mais especial. Nele, imensas fotografias de uma Sophia Loren no auge da sua beleza - auge esse, parece-me, que durou toda a vida - e que foram registadas propositadamente para o livro.

Eu, que tenho pela Sophia Loren uma paixão imensa, indissociável de Marcello Mastroianni - a melhor dupla da história do cinema -, fiquei tremendamente comovido quando consegui, finalmente, comprar este livro num leilão e em Portugal. 

Iremos voltar a ele muitas e muitas vezes...

Sophia Loren: Na cozinha com amor. Rio de Janeiro. Edições Bloch. 1971

Beringela à Escabeche 

O escabeche é sempre feito segundo o sistema de vinha d'alhos, usado no Sul de Itália. As beringelas devem ser cortadas em fatias bem grossas e vão a cozinhar em água quente, salgada, devendo sair da panela quando estiverem ainda bem consistentes. Depois de escorridas, são enxutas com cuidado, para que não se rompam.
Após frias, as beringelas são passadas para uma terrina e cobertas com algumas colheres de óleo (70-80 gramas, por cada quilo de beringela) e vinagre. O vinagre deve ser mais ou menos a metade do óleo. Juntam-se ao tempero um punhado de sal, outro de orégãos, um par de cabeças de alho trituradas, alguns grãos de pimenta ou pimentõezinhos vermelhos. Agora, é só dar uma mexidela nos ingredientes, cobrir a terrina e deixar a beringela repousar pelo menos por um dia. Dois, ainda é melhor.

O meu livro de doces (ao alcance de todos), de Maria Olímpia Areal e um Bolo de Claras

Maria Olímpia Areal: O meu livro de doces (ao alcance de todos). Edições ASA. Porto: 1953

Uma nova aquisição para a biblioteca do Blog. Um livro de bolso com receitas rápidas, simples, dedicado à doçaria, por Maria Olimpia Areal, que já aqui andou com o livro Doces Familiares, que podem encontrar aqui no blog. Para dar algum conforto, mesmo que publicitário, é-nos dito que são receitas "selecionadas e experimentadas", como quem diz: - se algo correr mal a culpa é sua e não do livro!

Para começar, mais uma receita de Bolo de Claras:

Maria Olímpia Areal: O meu livro de doces (ao alcance de todos). Edições ASA. Porto: 1953. p. 125

Bolo de Claras
Claras
Açúcar
Fatias de Maçã
Farinha q.b.

Para aproveitar claras pode fazer-se este delicioso bolo:

Batem-se as claras em neve, juntam-se-lhe tantas colheres de açúcar quantas foram as claras e igual número de colheres de farinha. Unte-se uma forma lisa, redonda. com bastante manteiga e polvilha-se com farinha. Deita-se-lhe dentro metade da massa e colocam-se-lhe por cima fatias finas de maçã, que se polvilham com açúcar. Cobre-se tudo com o resto da massa e leva-se ao forno a cozer em forno regular. Quando estiver quase cozido, espalha-se por cima um pouco de manteiga.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Compota de Castanhas (ou Marron Glacé?)


Compota de Castanhas
(Marron Glacé?)

Assem-se as castanhas em cinzas quentes, pelem-se e deitem-se numa caçarola, com açúcar e alguma água, e deixem-se aboborar por alguns instantes, podendo também dar-se-lhes uma fervura em calda de açúcar, previamente preparada. Logo que as castanhas tenham absorvido suficientemente o açúcar, retirem-se do lume, aromatizem-se com um pouco de xarope de baunilha e deitam-se na compoteira.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Ovos Moles de Aveiro

Ovos Moles de Aveiro

A quantidade que se pretende de açúcar de caixa põe-se em ponto alto, e tira-se fora o tacho do lume a esfriar; deve saber-se que em cada 500 gramas de açúcar há-de deitar-se vinte e uma gema de ovo de galinhas, tomando toda a cautela para que não levem a menor particula de claras. Batem-se até ficar em espuma, e deita-se no açúcar mexendo sempre, torna ao lume até engrossar no ponto que se quiser, sempre mexendo para que se não pegue. Depois de feito, junta-se-lhe a canela em pó e deitam-se em barris ou em pratos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Oração ao Pão, de Guerra Junqueiro

 

Neste Dia Mundial do Pão, aqui fica a Oração ao Pão, de Guerra Junqueiro, escrito em 1893.

Bolos à Gungunhana e Pastéis à Mouzinho de Albuquerque


Bolos à Gungunhana

Açúcar um arrátel - 459 gramas -, 12 gemas e 6 claras, amêndoa um arrátel - 459 gramas -, uma colher de farinha, uma taça de doce. Deitas em latinhas e vai ao forno. Uma quarta - 125 gramas - de manteiga.


 Pastéis à Mouzinho de Albuquerque

Um arrate - 459 gramas - de açúcar, 12 gemas de ovos, seis sem claras, amêndoas um arrátel - 459 gramas -, uma colher de farinha, uma taça de doce de fruta, uma quarta - 125 gramas - de manteiga. Deitas em latinhas passadas de manteiga e vai ao forno.

Observação:

As receitas, como viram, são exactamente iguais, o que me leva a crer que a diferença estaria no doce de fruta. Estaria subentendido um doce escuro - como de morango, cereja ou amora - para os Gungunhana. A massa, após a cozedura, ficaria escura fazendo-se desde modo a alusão à sua origem africana de tez negra. Já os Mouzinho de Albuquerque requeriam um doce mais claro - de pêssego ou maçã - para que a massa ficasse mais clara após a cozedura, fazendo alusão à tez branca.

Existe uma outra receita de nome Gungunhana no blog - https://asreceitasdaavohelena.blogspot.com/2022/03/gungunhanas.html - que tem na sua composição vinho do Porto e canela, o que tornará a massa, após a cozedura, um pouco escura.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Argolinhas de Amêndoa

 
Carlos Bento da Maia, Tratado Completo de Cozinha e de Copa, edição de 1904, pág. 462

Argolinhas de Amêndoa

Amêndoas doces peladas e pisadas - 500 gr. 
Açúcar pilado - 500 gr. 
Gêmas d'ovos - 7 (105 c3)
Farinha de trigo - 50 gr.
Manteiga para untar - q.b.

Dissolve-se o açúcar nuns quatro decilitros de água, e leva-se ao lume até que a calda chegue a ponto de cabelo. Depois, tira-se a vasilha do lume, junta-se à calda a amêndoa e mexe-se tudo muito bem com uma colher de pau; encorporam-se na massa as gemas de ovos e bate-se até enxugar. Depois, deita-se a farinha, mexe-se e leva-se de novo a massa a lume brando a cozer, até que a massa, a especie, se despegue do tacho. Deita-se depois a especie em pratos a esfriar e, depois de fria, tende-se a massa em cordões com os quais se formam as argolinhas, que se põem em tabuleiros untados com manteiga e polvilhados com farinha e se levam ao forno a cozer.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Arroz de Japão

João da Matta, Arte de Cosinha. Livaria Editora de Mattos Moreira & Compª, Lisboa: 1876. p. 213

 Arroz de Japão

Cozem-se em água 500 gramas de bom arroz, limpo e bem lavado, e em estando bem cozido e quase desfeito junta-se 1 kilo de açúcar já preparado em ponto de espadana e leva-se ao lume (mexendo-o sempre) para que ferva tanto tempo quanto seja preciso para que o arroz e o açúcar fiquem bastante grossos; estando assim, tira-se do lume e deixa-se ficar quase frio, e nesta ocasião se lhe juntam 4 dúzias de gemas de ovos batidas, que se misturam muito bem com o auxílio de uma colher de pau; leva-se outra vez a lume brando, mexendo sempre até enxugarem os ovos, e depois tira-se e põe-se em travessas, deitando-lhe canela em pó por cima.

domingo, 13 de outubro de 2024

Pudim de Vila de Rei e Sopa de Nuvens (vulgo Farófias)

Um caro amigo das lides facebookianas - JNA - deixou-me em tempos, na recepção do Museu onde trabalho, um belo e surpreendente envelope com receitas manuscritas redigidas em diversos tipos de papéis e caligrafias. Algumas são receitas da sua família outras, afiança, são receitas que terão pertencido ao extinto Convento de Nossa Senhora da Graça da vila de Abrantes. As mesmas terão sido resgatadas do convento já após a extinção das ordens religiosas e a morte da última freira do convento (que terá sido em 1891, com a morte de Maria Angélica do Santíssimo Rosário).

Assim sendo, para vos dar a conhecer melhor estas receitas tão generosamente doadas por JNA, começo com uma de cariz familiar, de Sopa de Nuvens - belo nome para umas farófias - e um Pudim de Villa Rei, em papel timbrado de Bath e com a indicação Convento da Graça.

Espero que gostem e agradeço, uma vez mais, a JNA a comovente oferta.


Pudim de Villa de Rei

Um arrátel - 459 gramas - de açúcar de caixa [açúcar não refinado, dito mascavado], depois de limpo, quando começa a ferver um pouco deita-se-lhe uma quarta - 125 gramas - de amêndoa muito bem pisada e quando está em ponto de pasta, tira-se para fora e em estando quase morno, deitam-se-lhe 12 ovos, dos quais se tiram as claras a 10 e só 2 com elas e raspas de casca de laranja ou limão. Bate-se tudo e deita-se na forma untada de manteiga para ir ao forno.


Sopa de Nuvens
[Farófias]

Uma canada - dois litros - de leite, deita-se num tacho, em fervendo deita-se-lhe 12 claras de ovos bem batidos até se poder cortar com a faca. Tira-se para fora as claras já cozidas e deitam-se as gemas a engrossar no leite. Põe-se tudo numa terrina e empoasse de canela.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Molho de Escabeche à Moda da Amália Rodrigues

O Livro de Pantagruel, de Berta Rosa-Limpo, receita nº 2715

MOLHO DE ESCABECHE À MODA DA AMÁLIA RODRIGUES
 
Alhos cortadinhos à faca - 12 
Folhas de louro em pedacinhos - 2 
Pimenta - 2 c. de chá cheias 
Colorau - 1 c.de sopa cheia 
Salsa - 1 ramo grande 
Vinagre - 5 c.de sopa 
Sal - q. b.

Quando se acaba de fritar o peixe, deitam-se no azeite da fritura todos os elementos acima mencionados menos o vinagre. Deixa-se ferver em lume brando até os alhos tomarem cor, retira-se a frigideira do lume, junta-se o vinagre e volta ao lume a levantar fervura, mexendo sempre. Deita-se sobre o peixe, já acamado em recipiente fundo. É melhor 24 horas depois. 
(Para 2 dúzias de sardinhas ou carapaus pequenos ou 1 dúzia de grandes ou de postinhas de peixe.)

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