Numa extraordinária entrevista dada ao portal Sapo, Monsenhor Feytor Pinto, homem que muito admiro e a quem devo tanto (que nem ele sonha!), refere que tem "uma coisa que gosto muito, que é trouxas de ovos." Sendo também uma das minhas perdições - recomendo vivamente as da Pastelaria Versailles, em Lisboa, ou as da Pastelaria Machado, nas Caldas da Rainha - achei que era oportuno pegar num das "bíblias" do receituário nacional e publicar a "oração" de tão fina iguaria.
A entrevista pode ser lida aqui - https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/vitor-feytor-pinto-a-morte-e-apenas-uma-porta-do-lado-de-ca-e-o-limite-da-natureza-do-lado-de-la-e-a-ternura-de-deus - e para a receita socorro-me do celebérrimo e muito procurado livro de António de Oliveira Bello (Olleboma) Culinária Portuguesa, edição póstuma publicada em 1936, anos depois da edição do Culinária.
Sobre este dois livros, e porque se tratam de obras fundamentais no receituário nacional, diz-nos o investigador Fábio Banza Guerreiro:
É no contexto anterior referido, de pleno incentivo nacionalista que, em 1936, surgiu a „Culinária Portuguesa‟ de António Maria de Oliveira Bello, o conhecido Olleboma. Tratou-se de uma edição póstuma – já que o autor falecera a 25 de outubro de 1935 –, com um prólogo de Albino Forjaz de Sampaio, intitulado „Do Autor, da Cozinha portuguesa e da Sociedade dos Gastrónomos‟, e um natural prefácio de Olleboma que constituiria a base da comunicação, que o seu filho primogénito, havia de proferir em sua substituição no „I Congresso Nacional de Turismo‟.
"Anteriormente, em 1928, havia publicado o livro „Culinária‟ sendo este considerado, “um completíssimo tratado de cozinha, do melhor que até hoje se fez entre nós”, com uma enorme influência francesa, como o autor escreveu no prefácio: “seguindo os ensinamentos da cozinha francesa, que é a mais perfeita, a mais artística e higiénica”. Pelo contrário, a „Culinária Portuguesa‟ é uma obra inovadora, já que se demarca pela apresentação de receituário português – de matriz nacional e regional – e porque foi o primeiro livro de receitas português, que fez a distinção entre pratos nacionais e regionais. O que não terá acontecido por mero acaso, já que a „Culinária Portuguesa‟ estava totalmente enquadrada no espírito do Estado nacionalista, de valorização da diversidade regional e de desenvolvimento do turismo." in: Fábio Banza Guerreiro: Uma Cozinha Portuguesa, com certeza: A ‘Culinária Portuguesa’ de António Maria de Oliveira Bello -http://hdl.handle.net/10451/38042
Culinária de 1928
Culinária Portuguesa de 1936
Ambos os livros pertencem à Biblioteca do Blog As Receitas da Avó Helena e da Avó Eduarda. E, agora, vamos ao que interessa... a receita de Trouxas de Ovos:
António de Oliveira Bello, Culinária Portuguesa: Lisboa, Edição de Autor, p. 242 |
Trouxas de Ovos
Dissolve-se um quilo de açúcar em 500 gramas de água pondo-se ao lume até chegar a ponto de espadana. Logo que chegue a este ponto, sem se deixar borbulhar, vão-se deitando, com um copo de licor mediano e à superfície do açúcar, gemas de ovos que previamente se desfizeram, numa tigela, com uma clara por cada 12 gemas misturando bem sem bater. As gemas alastram, espalmando-as com a lâmina duma faca ou com uma espumadeira. Estando coalhadas, em pasta bem unida, tiram-se, pondo.as sobre uma peneira, operação que se deve fazer rapidamente, cortando-as em quadrados e enrolando-as em estando frias. Se a solução de açúcar escurecer, substitui-se por outra.
Quando se enrolam, podem-se meter dentro ou ovos moles espessos, ou fios de ovos, ou torrão de ovos de Évora.
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