terça-feira, 13 de maio de 2025

Lagosta Suada, por Maria de Lourdes Modesto


Revista Panorama, Série IV, nº 2 - Junho de 1962

Lagosta Suada

O mar da Berlenga faz fundo para lá do Farol, à ponta das rochas folhadas e negras do Carvoeiro. A “vaga verde”, translúcida, leva-nos nos fundos multicores da Ilha adivinhada. E tudo se faz lenda, pelo que poderíamos ver de fantástico colorido: ametista, jade, lápis-lazúli...

Quem não puder acreditar que vá lá e veja, porque o que nos trouxe a falar de Peniche não foram as suas cores nem o seu mar, mas a fama de um dos mais célebres pitéus da cozinha portuguesa: “lagosta suada” - a lagosta suada à moda de Peniche.

E porque não nos satisfaz falar só do perfume que se desprende do tacho de barro, modesto mas indispensável, quisemos ver com os nossos próprios olhos.

Vimos chegar os coros, mudar as lagostas para as redes que as transportavam para as bancas da lota, e ali, travando luta, demos o “chui” que nos fez donos do lote que iriamos sacrificar.

Investigámos depois, junto dos velhos, todos penicheiros dos mais idosos, a fórmula mais verdadeira do dito manjar. Da sua história nada de concreto apurámos; todos a comem desde que nasceram. Só António Paulo, filho do montador do Farol da Berlenga, conta que seus pais estavam ligados ao nascimento da especialidade gastronómica que daria fama a Peniche. Diz ele que três náufragos franceses, atirados contra a costa da Berlenga ali permaneceram por três meses de tempestuoso mar esgotando todas as provisões de conserva e de pão que o montador do farol possuía para o sustento de sua família. O último recurso foi aquilo que hoje é considerado um dos mais requintados alimentos: a lagosta.

Deixemos agora António Paulo, filho do montador do Farol da Berlenga, preparar a “lagosta suada” à moda de Peniche, recordando a maneira como sua mãe a fazia:

Tenha-se uma lagosta bem viva e, para se lhe tirar a tripa, tome-se uma boa dose de coragem, porque o processo é bárbaro mas o único eficaz.

Parta-se uma das antenas; introduza-se pela cauda da lagosta indo até à cabeça. Feito um ligeiro movimento rotativo puxe-se rapidamente a antena. Coloque-se a lagosta suspensa sobre um tacho de barro, onde se deitaram previamente dois ou três dedos de água, e sangre-se o crustáceo. Estenda-se depois sobre uma tábua, aperte-se bem com a ajuda dum pano, e com uma faca bem afiada corte-se pelos anéis.

Cortem-se depois as antenas, as pinças e as patas. Abra-se a cabeça da lagosta ao meio, no sentido perpendicular, retire-se e rejeite-se o saco e aproveite-se todo o restante recheio. Aproveite-se também todo o líquido que ficar na tábua. Piquem-se 3 cebolas e um ramo de salsa juntamente e cortem-se 2 dentes de alho em lâminas finíssimas. Escaldem-se 3 tomates grandes, pelem-se e cortem-se em bocados. Coloquem-se as patas, as antenas e as pinças da lagosta no fundo do tacho de barro, para formarem como que uma grelha. Disponha-se por cima metade da porção da lagosta. Cubra-se completamente com um manto de cebola picada, tomate e salsa. Polvilhe-se com algumas lâminas de alho. Tempere-se com 2.5 dl. de azeite muito fino, um pouco de sal, pimenta e colorau. Em camadas sucessivas introduzam-se no tacho os restantes anéis da lagosta, cebola, tomate, salsa e alho.

Regue-se depois tudo com 2 dl. de vinho branco, e ½ dl de conhaque.

Perfume-se generosamente com um pouco de noz-moscada e introduzam-se no tacho duas folhas de louro, 2 malaguetas e 100 grs. de manteiga. Feche-se o manjar hermeticamente, colocando o testo no tacho com uma porção de farinha desfeita em água.

Ponha-se o tacho ao lume de carvão, muito brando, e deixe-se suar a lagosta durante uma hora e meia, não esquecendo de a sacudir de vez em quando, não vá ela pegar-se ao fundo. Destape-se e deitem-se nesta altura 2 cálices de vinho do Porto. Cubra-se novamente e deixe-se cozer o pitéu durante mais um quarto de hora.

Sirva-se no próprio tacho, envolvendo-o num guardanapo de linho alvo.

Maria de Lourdes Modesto

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Pudim de Chá e Pudim Gelado de Ananás: receitas ditas do Convento dos Moinhos publicadas num artigo da revista Olisipo - Grupo Amigos de Lisboa (1966)

Olisipo : boletim do Grupo "Amigos de Lisboa". A. XXIX, n.º 113/114, Janeiro/Abril 1966

"Seguem-se as duas receitas de doces, especialidades do Convento dos Moinhos:

PUDIM DE CHÁ

75 grs. de chá num litro de água a ferver. Depois de coado, junta-se uma libra [c. 450 g.] de açúcar e vai ao lume com casca de limão e um bocadinho de pau de canela.
Quando chegar ao ponto de espadana, tira-se o limão e a canela e deixa-se arrefecer a calda, a que se juntam então 16 gemas de ovos.
Vai ao forno em forma untada de manteiga.

PUDIM GELADO DE ANANÁS

Fervem-se dois ananases em fatias e, quando estão cozidos, tiram-se da água e juntam-se a esta água uma libra [c. 450 g.] de açúcar e uma colher de manteiga, e leva-se ao lume até ponto de espadana. Deixa-se então arrefecer e deita-se sobre 18 gemas de ovos bem batidas.
Vai ao forno não muito quente, em forma bem untada.
Guarnece-se com tiras de ananás cozido, passadas por calda de acúcar em ponto de pérola."

Retirado do artigo: O recolhimento de Nossa Senhora do Carmo aos Moinhos dos Olivais (aditamento), por Paulo Caratão Soromenho

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